sábado, 11 de dezembro de 2010

Noel Rosa no cinema


O Poeta da Vila, como ficou conhecido Noel Rosa, foi um dos mais criativos compositores da música popular brasileira. Suas letras eram verdadeiras narrativas poéticas da vida cotidiana. Esse seu talento em retratar, através de crônicas musicais, o Rio de Janeiro dos anos 20 e 30, rendeu, infelizmente, apenas algumas participações no cinema. Talvez as mais importantes tenham sido mesmo as seis músicas que escreveu para o filme “Cidade mulher”, de Humberto Mauro, de 1936, um ano antes da morte do compositor. Sabe-se que Noel Rosa era um entusiasta do projeto e acompanhou com muito interesse as filmagens, além da canção-título ser de sua autoria. O filme se perdeu. Mas, Leandro Tocantins, no prefácio que fez para o livro, organizado por Alex Vianny, sobre Humberto Mauro, se refere a essa parceria com a expressão cunhada por Gilberto Freyre, de “rurbano”, para designar essa conjugação dos dois talentos que foram capazes de produzir o lirismo rural associado a um certo sabor popular urbano presente em várias formas da identidade cultural brasileira. Ainda nas observações de Leandro Tocantins, o filme se apresenta como uma feminização do Rio de Janeiro onde são realçadas a natureza de formas curvas, macias e sensuais em oposição às imagens planas, retas e antidoçuras das cidades masculinizadas. E nada mais apropriado para os dias que antecedem o Natal que o último verso da canção: “Cidade padrão de beleza. Foi a natureza quem te protegeu. Cidade de amores sem pecado. Foi juntinho ao Corcovado que Jesus Cristo Nasceu”. Pena que este filme não possa ser visto, pois além da música de Noel Rosa, tinha um elenco de primeira grandeza, como Carmem Santos e Jayme Costa. Humberto Mauro já havia usado as músicas de Noel em outros filmes, como também Adhemar Gonzaga. No entanto, Noel não foi tão freqüente no cinema quanto seu talento merecia.

O que se tem hoje para apreciar são algumas poucas homenagens em filmes de Rogério Sganzerla e Júlio Bressani, e inúmeras músicas suas em trilhas do cinema nacional. Só para citar um exemplo ilustre, a música “O orvalho vem caindo”, no filme “Memórias do cárcere”, de Nelson Pereira dos Santos, de 1984. Também está disponível em DVD o longa-metragem de Ricardo Van Steen, “Noel, poeta da Vila”, de 2006. Foi a primeira cine-biografia ficcional sobre o compositor. Um dos problemas complicados para uma produção sobre Noel sempre foi achar um ator que pudesse se aproximar da imagem que todos temos dele. Na verdade, tinha uma deformação facial causada por problemas no seu nascimento. Mas, Van Steen conseguiu encontrar no ator Rafael Raposo um perfil adequado para viver a figura boêmia e talentosa do poeta da Vila. O filme baseia-se no livro de João Máximo e Carlos Didier, “Noel Rosa, uma biografia”. O compositor nasceu em11 de dezembro de 1910. Estamos, portanto, comemorando o seu centenário de nascimento. O filme de Ricardo Van Steen, disponível nas locadoras, é uma boa ocasião não apenas para ouvir as boas músicas do poeta da Vila, mas também para conhecer um pouco mais da sua história boêmia e bastante atribulada.

*Miguel Pereira é Professor da PUC-Rio e crítico de cinema
Fonte: Portal da Arquidiocese do Rio de Janeiro