Dentre as
virtudes, creio que seria muito bom refletirmos sobre duas virtudes humanas que
são fundamentais para a vivência dos valores do Evangelho: a honestidade e a
verdade. Para tratar desse tema da honestidade e da verdade, iniciamos com um
direcionamento: “Eu sou o caminho a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão
por mim”. (Jo 14, 6)
Para vivermos uma vida
autenticamente humana, temos de amar a verdade, que é, de certo modo, um valor
sagrado e requer, portanto, que seja tratada com respeito e amor. A verdade
fica às vezes tão obscurecida pelo pecado, pelas paixões desordenadas e pelo
materialismo reinante que se não a amássemos não nos seria possível
reconhecê-la. É tão fácil aceitar a mentira quando vem em ajuda da preguiça, da
vaidade, da sensualidade, do falso prestígio.
Hoje se fala muito de
sermos sinceros, autênticos; não obstante, os homens tendem a ocultar-se no
anonimato e, com frequência, disfarçam os verdadeiros motivos dos seus atos
diante de si próprios e dos outros. Tentam também passar anonimamente diante de
Deus e recusam o encontro pessoal com Ele na oração e no exame de consciência.
E, no entanto, não poderemos ser bons cristãos se não houver honestidade
conosco mesmo, com Deus e com os outros.
A honestidade e a verdade
conosco mesmo leva-nos a reconhecer as nossas faltas sem dissimulá-las, sem
procurar falsas justificações; faz-nos estar sempre alerta diante da tentação
de “fabricar” a verdade, de pretender que seja verdade aquilo que nos convém,
como é o caso daqueles que pretendem enganar-se a si próprios, dizendo que
“para eles” não é pecado isto ou aquilo que é proibido pela Lei de Deus. O subjetivismo,
as paixões e a tibieza podem contribuir para a honestidade e a verdade conosco
mesmo. A pessoa que não vive essa sinceridade radical deforma com facilidade a
sua consciência e chega à cegueira interior a respeito das coisas de Deus.
Outro modo frequente
de nos enganarmos é não querer chegar às consequências da verdade para não ter
que enfrentá-las ou para não dizer toda a verdade: “Nunca queres esgotar a verdade”.
– Umas vezes, por correção. Outras – a maioria –, para não passar um mau
bocado. Algumas, para evitá-la aos outros.
Para sermos sinceros,
o primeiro meio que temos de empregar é a oração: pedir ao Senhor que nos ajude
a ver nossos erros, os nossos defeitos do caráter, que nos dê fortaleza para
conhecê-los como tais, e valentia para pedir ajuda e lutar. Em segundo lugar, o
exame de consciência diário, breve, mas eficaz, para nos reconhecermos. Depois,
a direção espiritual e a Confissão, abrindo de verdade nossa alma, dizendo toda
a verdade, com desejo de que conheçam a nossa intimidade para que nos possam
ajudar no caminho para Deus. Não se permita que se aninhe em nossa consciência
um foco de podridão, por muito pequeno que seja. Devemos partilhar com nosso
diretor espiritual... Quando a água corre, é límpida; quando se estanca, forma
um charco repugnante, e de água potável converte-se em caldo de bichos. Com
frequência, dizer em primeiro lugar aquilo que mais nos custa é um propósito
que nos ajudará a ser sinceros.
Se afastarmos esse
demônio mudo com a ajuda da graça, veremos que um dos frutos imediatos da
sinceridade é a alegria e a paz da alma. Por isso, pedimos a Deus essa virtude
para nós e para os outros.
Honestos e verdadeiros
com Deus, conosco mesmo e com os outros. Se não formos com Deus, não poderemos
amá-Lo nem servi-Lo; se não o formos conosco mesmo, não poderemos ter uma
consciência bem formada, que ame o bem e rejeite o mal; se não formos com os
outros, a convivência tornar-se-á impossível.
O amor à verdade deve
levar-nos a retificar, se nos enganamos. “Acostuma-te a não mentir nunca de
maneira consciente, nem para te desculpares nem por outro motivo qualquer, e,
para isso, lembra-te de que Deus é o Deus da verdade. Se por acaso faltas à
verdade por um erro, retifica-o imediatamente, se podes, com alguma explicação
ou reparação; faze-o assim, pois uma verdadeira explicação tem mais graça e
força para desculpar do que a mentira”.
Outra virtude
relacionada com a verdade e a honestidade é a lealdade, que é a veracidade na
conduta: manter a palavra dada, as promessas, os acordos. A honestidade e a
lealdade a um compromisso estrito que se contrai com Deus ou diante d’Ele. As
Sagradas Escrituras falam constantemente de Deus como Aquele que é fiel ao
pacto com o seu povo, Aquele que cumpre com fidelidade o plano de salvação que
prometeu.
Contudo, o amor à
verdade e à honestidade há de levar-nos também a não fazer juízos precipitados,
baseados numa informação superficial sobre as pessoas ou fatos (bem diferente
do que hoje ocorre na sociedade). É necessário ter um sadio espírito crítico em
relação às notícias divulgadas pelo rádio, televisão, jornais ou revistas e a
internet, que muitas vezes podem ser tendenciosas ou simplesmente incompletas.
Assim, por amor à verdade, devemos procurar uma informação objetiva, veraz e
criteriosa, ao mesmo tempo em que contribuímos para a reta informação dos
outros. Então se tornará realidade a promessa de Jesus: “A verdade vos fará
livres”!
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião
do Rio de Janeiro, RJ