Existe uma intenção por parte da Comissão Especial de Juristas encarregada de elaborar um anteprojeto de reforma do Código Penal de propor a ampliação dos casos de permissão legal para o aborto, sem, no entanto, descriminalizar a prática. A afirmação — feita pelo Procurador Luiz Carlos Gonçalves, relator dessa comissão, em audiência na Subcomissão de Segurança Pública, realizada na última quinta-feira, 8 de março — preocupa a Igreja porque pode apontar para o risco de que a legislação comece a violentar o primeiro e fundamental direito, que é o direito à vida.
Embora seja necessária a reforma do Código Penal — para que ocorra uma atualização constante dos crimes e penalidades a ele atribuídos, de forma que contemple todas as situações que a sociedade vai enfrentando no seu cotidiano —, de acordo com o Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro e Presidente da Comissão Arquidiocesana de Promoção e Defesa da Vida, Dom Antonio Augusto Dias Duarte, é importante atenção ao que vem sendo proposto, já que, diante da possibilidade dessa reforma, há grupos interessados em introduzir textos que favoreçam o aborto. Segundo ele, “não existe uma sociedade justa, onde as pessoas se sintam bem e seguras, se o direito à vida não for respeitado”.
— Convém à população saber – especialmente aos católicos, que por exercerem a sua fé não deixam também de ter que exercer a sua cidadania e trabalhar pelo bem comum da sociedade – que depois de ouvir os vários segmentos da sociedade, na audiência pública, a Comissão, que é presidida pelo ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp, elaborou um texto que vai ser submetido aos senadores. (...) O que esse documento traz como novidade é que eles ampliaram situações em que o aborto não será punido. (...) Embora, hoje, no Código Penal, o aborto esteja no capítulo de crime e seja um crime, sabemos que não há punição para aborto por estupro e nem para aborto terapêutico, e eles querem ampliar essa impunibilidade do aborto, alertou.
O anteprojeto de reforma, elaborado pela Comissão Especial de Juristas, passa a prever cinco possibilidades para a execução do aborto:
1 - quando a mulher for vítima de inseminação artificial com a qual não tenha concordância; 2 - quando o feto estiver irremediavelmente condenado por anencefalia e outras doenças físicas e mentais graves; 3 - quando houver risco à vida ou à saúde da gestante; 4 - por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação (terceiro mês), 5 - quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade.
Para Dom Antonio, a possibilidade de se fazer um aborto quando a mulher for vítima de inseminação artificial com a qual não tenha concordância parece uma situação singular e rara. De acordo com o Bispo, qualquer inseminação artificial se faz por tentativas de clínicas de reproduções assistidas, e nenhuma delas quer se expor a fazer algo que seja contrário ao direito da mulher.
— Uma mulher, quando vai a uma clínica de reprodução assistida assina um termo de concordância, no qual afirma que vai se submeter a todos os processos para que se aplique essa técnica, pois ela quer ser mãe e busca essa tecnologia, que, do ponto de vista da ética, não é correta. Essa situação é bastante ampla, pois, com essa possibilidade, qualquer mulher que fizer inseminação artificial e, no meio do processo, quiser interromper a sua gravidez estará justificada por esse novo texto do Código e executará o aborto, disse.
O Bispo, que também é pediatra, comentou o trecho do texto que fala sobre o feto com anencefalia.
— É muito triste dizer que uma pessoa com anencefalia está condenada. Assim está no texto: “quando o feto estiver irremediavelmente condenado por anencefalia”... A palavra “condenado” é muito pesada para colocar no texto jurídico, porque “condenado” supõe um réu culpado de alguma coisa. Pode-se até dizer que uma criança portadora de anencefalia tem uma possibilidade de vida muito curta. Agora, dizer que um feto está “irremediavelmente condenado por anencefalia” é subentender, juridicamente falando, que aquele anencéfalo é um réu, culpado de um crime, ou seja, de ser portador dessa má formação fetal do cérebro, destacou Dom Antonio.
O Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio também lembrou a importância de todo o cuidado necessário para com as gestantes.
— Quando existe um risco de vida e a mãe está sentindo um peso psicológico por conta da sua maternidade, ela merece o que todo mundo quer receber: cuidado, apoio, segurança e proteção. Pensando não só na criança, mas também na mulher, não se pode aceitar um projeto que inclua essas cinco possibilidades, porque já as duas possibilidades existentes no Código Penal causam muitas consequências na vida da mulher, como por exemplo, a síndrome pós-aborto, que é um sofrimento muito profundo e muito grave na vida das mulheres — que pode até desestruturar sua vida familiar e profissional. (...)
Aborto: sempre deixa suas marcas
Embora, de acordo com o Código Penal, atualmente seja possível realizar aborto em caso de estupro e aborto terapêutico (provocado pelas seguintes motivações: para salvar a vida da gestante; para preservar a saúde física ou mental da mulher; para dar fim a uma gestação que resultaria numa criança com problemas congênitos que seriam fatais ou associados a enfermidades graves), o procedimento sempre deixa muitas marcas negativas.
— Fui vítima de um estupro e isso, na verdade, mudou completamente a minha vida. Eu vim de Campina Grande, na Paraíba, para o Rio de Janeiro realmente pela dor, após sofrer essa violência. Aqui no Rio, tentei reconstruir minha vida, mas descobri que eu estava grávida e sem o apoio de ninguém. Respaldada por uma lei que diz que foi fruto de violência e que não teria problema, pois não estaria cometendo crime algum, cometi um crime não só contra mim mesma e contra Deus, mas também contra a vida do meu filho, que hoje intercede por mim no céu, afirmou Maria José, que faz parte do Instituto Eu Defendo – Brasil sem Aborto, no Rio de Janeiro.
De acordo com a Psicóloga Clínica, Sônia Nascimento, que também atua no Grupo de Psicólogos Católicos da Arquidiocese do Rio Janeiro, “o aborto, por sua própria natureza, é um procedimento traumático seja por qualquer motivo ou justificativa”.
— O aborto seguramente afeta emocionalmente a mulher causando transtornos psicológicos. Na minha experiência clínica observo que os sintomas mais latentes são dor, depressão e principalmente a culpa, afirmou.
A psicóloga destacou ainda o que caracteriza a síndrome pós-aborto e quais problemas sociais podem ser acarretados à mulher após a prática.
— A síndrome pós-aborto afeta tanto a mulher quanto aos demais familiares, pois a mãe normalmente se torna agressiva. A mulher normalmente se culpa pela destruição da vida de um filho que é negado por ela. Essa marca faz um registro no inconsciente e a incapacidade de expressar a angústia e outros sentimentos pode levar à depressão. A mulher precisa exteriorizar a sua dor. O tratamento psicoterapêutico é um aliado nesta fase, pois a mulher passa a ser vítima dela mesma, ressaltou Sônia.
De acordo com Dom Antonio Augusto, a reforma do Código Penal não pode abrir espaço para o desrespeito ao direito à vida, especialmente por tratar de situações em que a mulher, devido a diversas circunstâncias, está fragilizada.
— O aborto nunca é solução para situações delicadas e difíceis, que existem em qualquer gestação, especialmente em gestações onde a mulher está mais ansiosa com o quadro que está vivendo, afirmou o Bispo.
* Colaboração: Cláudia Brito * Fonte: Agência Senado * Fotos: Arquivo
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